sábado, 15 de outubro de 2011

Afinal, o que é cidadania?

De acordo com DEONÍSIO DA SILVA, em seu De Onde Vêm as Palavras, o verbete “cidadão” provém do latim civitas e carrega a acepção moderna de detentor de direitos políticos graças ao escritor francês PIERRE AUGUSTIN CARONS DE BEAUMARCHAIS, que assim utilizou a palavra em suas obras O Barbeiro de Sevilha, o Casamento de Figaro e Mãe Culpada, pródigas em críticas à sociedade francesa da época.
Ser cidadão de um país significa ter o direito de participar da vida política deste país. Não há cidadania, portanto, sem democracia. Nas palavras de DALMO DE ABREU DALLARI, “a cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo.[1]
A Constituição Federal brasileira enumera a cidadania como um dos princípios fundamentais da República, ao lado da soberania, da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho, da livre iniciativa e do pluralismo político (art. 1º). E diz mais: “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” O dia em que vivenciarmos a real extensão de tais princípios fundamentais, teremos construído um novo Brasil.
A noção de cidadania está intimamente ligada à de nacionalidade. Nesse sentido, são brasileiros natos: a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país; b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil; c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira. Por sua vez, são brasileiros naturalizados: a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral; b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira (art. 12 da CF).
Pode-se dizer, então, que os estrangeiros residentes no Brasil não são cidadãos brasileiros porque não participam da vida política do país (art. 14, §2º da CF), a despeito de se lhes assegurar a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos da Constituição (art. 5º) e das leis infraconstitucionais. Em outras palavras, pode-se afirmar que todos os residentes no território brasileiro têm direitos assegurados e deveres a cumprir, mas somente os cidadãos, assim entendidos os brasileiros natos ou naturalizados, podem participar da vida política, estes últimos com algumas restrições em relação a alguns cargos, os quais somente podem ser preenchidos por brasileiros natos (art. 12, §3º da CF). Também aos brasileiros residentes no exterior é assegurada a participação na vida política no país. Aliás, o voto é obrigatório, tanto para os brasileiros residentes no território do país quanto para os residentes no exterior que forem maiores de 18 anos (art. 14, §1º da CF).
Que a cidadania é importante para a ordem constitucional vigente o texto supremo já disse no art. 1º quando a alçou ao planalto dos princípios fundamentais. Mas ela foi muito mais longe.
Ela também disse que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência (art. 5º, LXXIII). Ou seja, para proteger a coisa pública (res publica na expressão latina) de condutas que lhes são lesivas – e aqui entram, entre tantas outras, as de corrupção – a ordem constitucional isenta o autor da ação popular de pagar custas judiciais e as demais despesas processuais tais como honorários da parte adversa. E o autor desta ação pode ser qualquer cidadão.
Ainda: ao tratar da educação (art. 205), a Constituição a reafirma como um direito de todos e dever do Estado e da família, determina sua promoção e incentivo com a colaboração da sociedade, a fim de que se busque o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. A educação, por conseguinte, está a serviço do exercício da cidadania. E não é dever somente do Estado promover uma e outra. É dever também da família. O que estamos fazendo, enquanto famílias, para que os nossos convivas mais próximos estejam preparados para o exercício da cidadania? Mais adiante, em outro texto, tratarei do exercício da cidadania, mas por ora deixo a reflexão.
Voltemos a BEAUMARCHAIS, o escritor francês. Ele foi processado por um conselheiro de Paris e advogou pessoalmente sua causa perante o Parlamento. Em seu discurso de defesa, assim se pronunciou: “Eu sou um cidadão, não sou nem banqueiro, nem abade, nem cortesão, nem favorito, nada daquilo que se chama uma potência; eu sou um cidadão, isto é, alguma coisa de novo, alguma coisa de imprevisto e de desconhecido na França; eu sou um cidadão, quer dizer, aquilo que já devíeis ser há duzentos anos e que sereis dentro de vinte talvez!”.
Seremos cidadãos brasileiros somente daqui a alguns anos, ou seguiremos exemplos que já pululam aqui e acolá, como foi a elogiável manifestação cívica em prol do combate à corrupção no último dia 12 de outubro?
Bons ventos cívicos a todos nós!


[1] Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1998, p. 14.

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